quarta-feira, dezembro 28, 2011

Padre Ricardo Gameiro Lopes (1929 - 2011)

O Padre Ricardo Gameiro faleceu no dia 19 de Dezembro de 2011, aos 82 anos de idade.

Não sei bem o que dizer sobre o Padre Ricardo. Não tenho muito jeito para fazer homenagens póstumas. Conheci-o em 1994, na Rádio Voz de Almada (emissora de que ele foi um dos fundadores e de que era um dos directores e a principal figura de referência). E, como é natural, não fiquei indiferente à sua personalidade marcante (e um bocado intimidante no seu "papel" de director, para dizer a verdade). Não tinha por ele a maior das simpatias (até porque ele não procurava ser simpático, pelo menos quando o conheci). Mas sempre admirei uma sua rara e preciosa qualidade: a frontalidade!

Este artigo é de uma entrevista que lhe fiz em 2001 para o Jornal da Região (publicada também no Sem Mais Jornal). Ele resistiu bastante à ideia de falar sobre si próprio. Aliás, só consegui a entrevista prometendo-lhe que, mais tarde, faria uma reportagem aprofundada sobre a obra social do Centro Paroquial da Cova da Piedade. Infelizmente não cheguei a cumprir a promessa: poucos meses após a publicação desta peça deixei de colaborar com o Jornal da Região (e com a empresa do Sem Mais Jornal).

Tinha isto guardado para outra ocasião (e para outro blogue). Mas a vida prega-nos estas partidas de mau gosto...

sexta-feira, dezembro 23, 2011

três poemas de natal


RESPOSTA DA VAIDADE HUMANA AO MENINO JEJUM

o menino jejum nasceu a 25 de dezembro desse ano
e veio a falecer (morreu portanto) a 25 de dezembro desse mesmo ano.
a sua fugaz passagem por este mundo breve
apenas serviu para confrontar a vaidade humana
com as humildes perspectivas de quem muito poderia fazer
neste mundo se aqui tivesse vivido mais tempo.
a vaidade humana encolhe os ombros
e diz que viver neste mundo mais tempo
sem fazer nada
é bem melhor que morrer apressadamente
sem fazer tudo aquilo que poderia vir a fazer
e ainda por cima em jejum.



RESPOSTA DO MENINO JEJUM À VAIDADE HUMANA

aqui do alto assunto a que ascendi
vejo bem o quanto és vã ó vaidade humana
e só não te perdoo porque tu lá sabes
muito bem aquilo que fazes.
(aliás é essa a única coisa que tu sabes.)
muito eu te poderia ensinar sobre o não ser
mas sei também que tu não queres aprender
porque aprender implica trabalhar, como bem sabes.
apenas te digo que já não estou em jejum
pois agora que ascendi a um alto assunto
aqui me alimento com todas as palavras do mundo:
sou um poeta.
e mais não digo
porque no alto assunto a que ascendi o meu latim é muito caro.
ó vaidade humana que te contentas em ser apenas
a vaidade humana:
continua a dormir bem vaidade humana
que eu fico acordado a aprender
e a escrever
mas sei que quando me for deitar
também dormirei bem
embora sonhe sonhos um bocado bem diferentes
dos sonhos que tu sonhas ó vaidade humana.



RESPOSTA DA VAIDADE HUMANA À RESPOSTA DO MENINO JEJUM À VAIDADE HUMANA

a inveja exacerbada (companheira de quarto da vaidade humana)
acordou ao meio dia e vinte e três a vaidade humana
do sonho hiperactivo no qual como habitualmente hiperagia
para lhe dizer que do planeta alto assunto a que ascendeste
recebera uma comunicação urgente do menino jejum.
a vaidade humana refilou um pouco não muito com a inveja exacerbada
(a vaidade humana refila sempre com qualquer um
ou qualquer uma que a acorde ao meio dia e vinte e três)
e por uma vez na sua hiperactiva vida
dispôs-se a fingir que ouvia uma comunicação
vinda do planeta alto assunto a que ascendeste.
depois disse eu quero é que te vás f*der
e voltou para o seu sonho hiperactivo
onde sempre hiperage
queira ou não queira o menino jejum
ou qualquer outro habitante do planeta alto assunto a que ascendeste.



A.V., 2003

Imagem: "Um theatro de marionettes no parque de Vienna"
(Jornal do Domingo, Lisboa 1887)

sábado, dezembro 10, 2011

Atacar o parlamento é lutar contra o sistema? Ou é ajudar a acabar com o que resta da democracia?


Como sabem, o modelo neoliberal em que vivemos foi aplicado em primeiro lugar numa ditadura sem partidos (o Chile de Pinochet). A economia neoliberal passa muito bem sem partidos, sem parlamentos, sem democracia. Mas ainda precisa dos governos.

Como certamente já notaram, na Europa está em curso um processo de centralização à volta de um governo europeu (a Comissão Europeia), vassalo do poder financeiro e dirigido politicamente pela Alemanha. Esse governo dá orientações (chamadas directivas comunitárias) aos governos dos estados-membros. Nesse processo foram retirados poderes às instituições democraticamente eleitas: ao Parlamento Europeu mas, principalmente, aos parlamentos nacionais.

A cadeia de comando é: capital financeiro --> comissão europeia --> governos dos estados-membros. Os parlamentos são impecilhos neste processo. Para os neoliberais quanto menos "política" a atrapalhar a mão invisível das forças de mercado, melhor.

E eu sei que os meus esclarecidos e revolucionários amigos sabem isto muito bem. Não quero ensinar a missa ao padre.

Quero é que me expliquem porque - sabendo isto tão bem - não atacam os verdadeiros poderes (o capital financeiro e os seus mandatários do governo) e insistem antes em denegrir o parlamento, a política e os partidos.

Não é para fazerem a vontade ao capitalismo neoliberal, pois não?
Então é para quê?

Nota: escrevi este texto na "rede social" da internet em que participo, e não tinha a intenção de o publicar aqui. Mas decidi dar-lhe mais visibilidade porque até agora ninguém soube (ou quis) responder às perguntas que faço. E estou mesmo interessado em entender. Alguém me esclarece?

(A imagem é do documentário "The Story of Stuff

quinta-feira, novembro 10, 2011

Almada, Gente Nossa - volume 3


Foi lançado no dia 28 de Outubro o livro "Almada, Gente Nossa - volume III", do escritor almadense - e investigador de História Local - Artur Vaz (edição Junta de Freguesia de Almada).

Neste volume Artur Vaz entrevista 19 personalidades ligadas a Almada pela sua intervenção em áreas de actividade tão diversificadas como o desporto, música, pintura, arqueologia, movimento associativo, jornalismo... (ver lista completa no final deste artigo).

Sobre os objectivos da obra, escreve o autor, em nota de abertura:

«Estas entrevistas são, acima de tudo, um mosaico de revelações de afectos e de ideias, num discurso acentuadamente emotivo, fruto de vidas e de cumplicidades com a própria cidade.

Neste terceiro e último volume de ALMADA - GENTE NOSSA, bem como nos anteriores, limitamo-nos a utilizar a escrita como meio de perpetuar a memória destas gentes de Almada, num diálogo onde - acima de tudo - através de uma conversa amena entre gerações tão diferentes, podemos partilhar momentos de inegável prazer e de uma riqueza ímpar de conhecimentos.

Testemunhos onde a frontalidade desencadeia um arquivo de memórias, onde se comunga a intimidade dos entrevistados, anfitriões desta janela aberta sobre ALMADA.GENTE NOSSA que ao intervirem na arte, na cultura, no desporto e na cidadania, tem enriquecido a identidade e o pulsar de um concelho que representa uma referência num país que continua - cada vez - mais distanciado da sua realidade.

Infelizmente, dadas as circunstâncias da intensa globalização em que estamos a ser submetidos no dia-a-dia, é urgente rasgarmos certos espartilhos e escrevermos sempre cientes que este sublime acto de criação é algo de apaixonante.

Esperamos que a leitura deste trabalho vos encante, levando nele sentimentos que os seus protagonistas nos tentaram ofertar através das suas revelações, sobre as quais tentámos delinear - o mais fiel possível - o seu perfil biográfico.

O que está do outro lado da entrevista, poderá o leitor pressentir ao lê-la.

Assim espero...»

Artur Vaz

Entrevistados, pela ordem em que aparecem no livro (com a data de realização das entrevistas entre parêntesis):

Anabela - cantora e actriz
(março 2009)
António Cabrita - dramaturgo, poeta e argumentista de cinema
(fevereiro 2009)
António Vitorino - jornalista e poeta
(junho 2008)
Elsa de Sousa - pintora
(setembro 2007)
Feliciano Oleiro - professor do ensino primário
(dezembro 2009)
Henrique L. da Costa Mota - dirigente associativo
(maio 2009)
José Luís Covita - ensaista
(novembro 2009)
José Nascimento - provedor da Misericórdia de Almada
(janeiro 2009)
Luís Barros - historiador e arqueólogo
(outubro 2008)
Margarida Botelho - escritora e ilustradora
(agosto 2007)
Maria Amélia Campos - investigadora independente
(dezembro 2008)
Maria de Lourdes Durães - professora de educação física e técnica de ginástica rítmica
(janeiro 2010)
Mário Nery - pintor
(novembro 2007)
Mário Silva Neves - escritor e pintor
(fevereiro 2008)
Naide Gomes - desportista
(abril 2009)
Rosa Reis - fotógrafa
(outubro 2007)
Rui Diniz - poeta
(junho 2007)
Rui Manuel Guimarães - jornalista
(novembro 2007)
Telma Monteiro - judoca
(julho 2008)

A entrevista comigo (António Vitorino - jornalista e poeta) pode ser lida também em

http://vitorinices.blogspot.com/p/antonio-vitorino-entrevistado-por-artur.html

terça-feira, outubro 18, 2011

Com Ecalma e sem Ecalma





A Ecalma começou, finalmente, a fiscalizar o estacionamento ilegal na rua das piscinas da Academia Almadense. Finalmente, mas com um atraso que continuo sem entender (e que continuam sem me explicar, uma vez que ainda não responderam - nem sei se pensam responder... - às perguntas que, há quase dois meses, lhes fiz sobre o assunto!).

Claro que a intervenção da Ecalma não resolve o problema de fundo: a falta de civismo e de respeito pelos outros que é quotidianamente demonstrada até à exaustão por quem vem aqui fazer dos passeios o seu "parque de estacionamento" (e note-se que nesta rua e nas imediações ninguém "precisa mesmo" de meter o carro em cima do passeio: há muitos lugares de estacionamento legal, à superfície e subterrâneo, muitos dos quais GRÁTIS! - como estou farto de explicar.)

Vejam as fotos. No primeiro caso (17 de setembro, a meio da tarde), estava a Ecalma de serviço, a maior parte dos passeios estava desimpedida mas mesmo assim havia quem metesse o carro "só um bocadinho" em cima do passeio (o que continua a ser ilegal - cf. Código da Estrada, artigo 49, alínea f - mas não é só por ser ilegal que isso que me incomoda... já lá vamos).

Nas fotos do meio; dia 18 de outubro, às 17h30, já fora do horário de serviço da Ecalma, começam a aparecer carros em cima do passeio; na foto seguinte, às 18h40, já se vê os passeios começando a ficar, mais uma vez, atafulhados de carros.

Na foto de baixo: dia 22 de setembro de 2011, uma situação que era habitual, todos os dias e praticamente a toda a hora, antes da intervenção da Ecalma.

A intervenção da Ecalma é bem vinda e resolve temporariamente alguma coisa. Mas é apenas um remendo, enquanto as pessoas continuarem a achar que podem desrespeitar a lei (e os direitos dos outros) à vontade desde que não haja nenhuma autoridade por perto.

Porque é isso mesmo o que acontece! Tem acontecido sempre, aqui!

Só começaram a respeitar o Código da Estrada e a meter o carro em lugares de estacionamento legais quando foram obrigados a isso!

E penso que, enquanto for mesmo necessária a intervenção da Ecalma, essa empresa não deve pactuar (e aqui não tem pactuado, felizmente) com facilitismos e porreirismos do género "tenho só dois pneus em cima do passeio, não estou a incomodar ninguém".

Porque é assim que começa a falta de respeito:

primeiro metem só dois pneus em cima do passeio porque "ainda passa um carrinho de bébé ou uma cadeira de rodas"...

depois ocupam o passeio todo porque "não há lugar para estacionar" e "até tive o cuidado de não meter o carro em frente a nenhum portão ou garagem, o que é que você quer?"

e por fim, chegam à situação documentada na última foto: carros por todo o lado, incluindo em frente a portões e a garagens porque "onde é que está o sinal de estacionamento proibido? não vi nenhum!"

Não, não estou a inventar: ouvi esse tipo de "argumentos" muitas vezes, nos últimos tempos - antes de a Ecalma começar a intervir nesta rua.

E como é que isto se resolve, então?

Há quem defenda a extinção da Ecalma e a sua substituição por uma polícia municipal... Mas uma polícia municipal teria exactamente as mesmas competências que a Ecalma, com a diferença que não teria horário de serviço: poderia, portanto, actuar a qualquer hora, mesmo depois das 17h30. Será isso mesmo o que querem os que defendem essa solução?

Eu penso que o problema resolve-se com menos medidas repressivas (que devem ser só as necessárias e só mesmo para quem insiste em não cumprir regras de cidadania) e mais ordenamento (e alguma pedagogia, também... embora, como se tem visto, aqui a pedagogia tenha pouco efeito).

Mais ordenamento e medidas permanentes, preventivas. Por exemplo, barreiras físicas que impeçam o estacionamento em cima do passeio (os chamados pilaretes).

E isso não é nenhuma ideia nova. Está no Plano de Mobilidade Acessibilidades 21, aprovado pela Câmara de Almada há 10 anos!!!

Vejam aqui os documentos do relatório-síntese desse plano:

http://www.almadadigital.pt/xportal/xmain?xpid=cmav2&xpgid=genericPage&genericContentPage_qry=BOUI=46665

Parece-me que só falta vontade política para o aplicar. Ou falta mais alguma coisa?

segunda-feira, setembro 26, 2011

Estacionamento em Almada: quando a propaganda e a realidade vivem em mundos diferentes (parte 2)

(Nas fotos: Rua Leonel Duarte Ferreira, Almada, Setembro de 2011. O parque "Conde Ferreira" fica ao fundo desta rua; o parque da Capitão Leitão fica a cerca de 50 metros do local onde foi captada a imagem de cima e a menos de 150 metros de qualquer localização nesta rua.)

Chegou-me hoje à caixa do correio o boletim da Junta de Freguesia de Almada, em cuja contra-capa se encontra este delicioso pedaço de prosa poética:

"Inaugurou no dia, 1 de Junho o último dos 5 novos parques de estacionamento previstos para Almada, designado Parque Capitão Leitão, que será gerido pela ECALMA. O novo parque, à semelhança do Parque Conde Ferreira, em pleno coração de Almada Velha trará decerto grandes benefícios tanto aos residentes, como ao comércio local, aos que usufruem dos serviços e da oferta cultural desportiva, ou apenas ao convívio, das diversas colectividades que enriquecem esta zona, como aos que trazem os seus filhos à escola, como ainda aos turistas que nos visitam e que obrigatoriamente incluem a zona histórica no seu roteiro".

Eu moro na Rua Leonel Duarte Ferreira (rua do incorrectamete chamado "parque Conde Ferreira, em pleno coração de Almada Velha") e até gosto muito de poesia, como se sabe. Mas esta prosa poética é de muito mau gosto e dá vontade de rir, no mínimo. Porque a realidade que toda a gente encontra aqui, há muito tempo - antes, mas também depois da construção dos novos parques - é o que se vê na imagem acima. E Ecalma nem vê-la, na rua do seu próprio parque de estacionamento. Aliás, dizem até que têm "ordens superiores" para não intervir aqui!!!

Mas espera aí... Estou a repetir-me, não estou? Já escrevi isto antes (em Maio) não escrevi?

Pois. Mas o boletim da Junta de Freguesia de Almada também vem agora com a mesma conversa (corte e cola, praticamente) que publicou em Maio passado.

E a verdade - a tal realidade, que todos conseguem ver mas que alguns julgam que se pode tapar com uma peneira - é que o problema, em vez de se resolver, agravou-se! É para isto que se gasta dinheiro em parques de estacionamento: para aumentar - e incentivar! - a utilização ilegal dos passeios e ter às moscas o parque que foi pago com dinheiro de todos nós? E a Ecalma, afinal, serve para quê? (A propósito: continuo à espera de resposta a duas perguntinhas muito simples que fiz à Ecalma. E fiz essas perguntas no dia 25 de Agosto. Há um mês...)

São ceguinhos, perderam a noção da realidade, ou andam só a gozar com os munícipes?

sexta-feira, setembro 23, 2011

A primeira grande angústia da era espacial


Um satélite artificial desgovernado vem a caminho da Terra. Apesar dos esforços de monitorização da NASA, ninguém sabe ao certo onde vai cair. A humanidade, angustiada, liga-se aos órgãos de comunicação social (e aos deuses, quem os tem...) e suspende a respiração, esperando que o satélite norte-americano - que é dos grandes, ainda por cima - não provoque nenhum fim do mundo. E tudo isto é novo: é o primeiro drama global da era espacial.

Falo-vos, obviamente, da queda da estação espacial Skylab, há 32 anos!

"Skylab designa a estação espacial estadunidense que foi lançada ao espaço em 14 de maio de 1973, a uma altitude de 435 km, e reentrou na atmosfera, destruindo-se prematuramente, em 1979." (Wikipédia)



Como qualquer objecto que entra na atmosfera terrestre, desintegrou-se. Mas era um objecto realmente grande. Alguns pedaços chegaram intactos e acabaram por atingir território da Austrália - sem vítimas nem grandes danos a registar. Vejam a reportagem:

quarta-feira, setembro 21, 2011

Jamaica, Cais do Sodré

Como certamente todos saberão (uns por experiência própria, outros por ouvir falar), a "discoteca" Jamaica - em Lisboa, Cais do Sodré - foi um dos locais de culto das noites lisboetas, principalmente durante a oh tão mítica década de 80 do século passado - embora a então "boite" tivesse começado a fazer a diferença uns anos antes, muito devido à cuidada (e "culta") selecção musical dos seus residentes DJs (disc-jockeys, como se dizia então, por extenso).

Por acaso eu fazia parte, nos anos 80, de um grupinho de amigos de um dos DJs do Jamaica - e, quanto mais não fosse por isso (mas não era só por isso, claro!), frequentava muito aquele espaço que para mim era um bar (pé de chumbo que sou eu, raramente usufruia da pista de dança).

Mais tarde, já na década de 90, fiquei a conhecer também um dos gerentes do barzito. E pronto, lá voltei eu a frequentar a casa...

Mas a ideia não era vir aqui contar-vos estórias banais. Era só assinalar e festejar a recentíssima reabertura do Jamaica (ver notícia clicando neste link). E mostrar-vos aquela imagem ali em cima, recuperada do fundo do meu baú: é a parte da frente de um calendário do ano de 1988. Do tempo em que o Jamaica era "boite" e estava aberta "até às 3.30h da madrugada".

Ai, as secas que eu (e companhias) apanhei (apanhámos) na estação fluvial do Cais do Sodré, à espera do primeiro barco para Cacilhas...

Belos tempos, pois. (E temporais, algumas vezes.)

sexta-feira, setembro 16, 2011

Pra não dizer que não falei da mobilidade

Está a decorrer - entre 16 e 22 de setembro - mais uma Semana Europeia da Mobilidade.
Almada é uma das cidades portuguesas que participa, desde a primeira edição. Há cada vez menos municípios portugueses a participar nesta iniciativa. Mas os autarcas cá da terra têm boas intenções, boas ideias e bons projectos - e não perdem uma oportunidade para os propagandear. Todos os projectos? Bem, nem todos...

O Plano de Mobilidade Acessibilidades 21 - estudo estruturante realizado há uma década, antevendo a implementação do metro de superfície - anda estranhamente esquecido. Não sei porquê. Pois se é a prova de que em Almada as coisas não se fazem à toa, a reboque de interesses eleitoralistas ou cedendo a pressões demagógicas de partidos derrotados nas últimas eleições autárquicas... Pois não?

Mas pronto, iniciativas de sensibilização como a Semana da Mobilidade fazem falta e são sempre de aplaudir.

Consultem a informação sobre a edição deste ano, no site da Câmara de Almada:
Semana da Mobilidade 2011

E fiquem, como eu, à espera que o bom trabalho continue depois desta semana. Eu estou à espera, mas sentado. Querem que vos vá buscar um banquinho?

«O neoliberalismo instituiu a "crise" como um regime político» - José Goulão



Desde que me lembro de andar cá andar pelo mundo, sempre tenho ouvido falar em crise. Foi a crise do petróleo nos anos 70, as diversas crises dos anos 80 - e até dos anos 90! - depois a do princípio do século 21, e agora esta. Ou estas... (será a de 2008 a mesma que vivemos agora)?

Mas também, desde há muito tempo, ouço pessoas dizerem-me que as "crises" (assim, entre aspas) não são mais que desculpas que os governantes arranjam para nos pedir sacrifícios. Ou que (outra opinião que há muito tenho ouvido) a crise, neste caso sem aspas, é afinal inerente ao próprio sistema.

No livro "Pagadores de Crises" (Sextante Editores, 2010), o jornalista José Goulão ajuda-nos a entender o mundo (e as crises) em que vivemos, e como chegámos ao que chegámos.

Mas este não é um trabalho "de tese". É, antes, uma investigação jornalística, muito bem fundamentada. Parte de factos, e não de opiniões. Factos que podem ser verificados e confirmados por qualquer um de nós - quase toda essa informação encontra-se publicada e acessível na internet - e que são, diria, coisas até do senso comum. Nada de teorias da conspiração, aqui!

Sabe-se que o liberalismo é uma teoria nascida no século 18 que defende a mínima intervenção do Estado nos assuntos económicos; que a teoria foi retomada e desenvolvida no século 20, na Europa e nos EUA; que depois de diversos debates entre os teóricos neoliberais prevaleceu o modelo de Milton Friedman e da "Escola de Chicago"; que alguns dos seus alunos (e o próprio Friedman) aplicaram o modelo na prática e à escala de um país pela primeira vez no Chile de Pinochet, a partir de 1973; que o modelo começou depois a expandir-se a partir do Reino Unido de Tatcher e dos EUA de Reagan; que hoje está implantado em praticamente todo o mundo. Isto são os tais factos incontestáveis e verificáveis (se quiserem aprofundar o assunto este artigo da Wikipédia pode ser um bom ponto de partida: http://pt.wikipedia.org/wiki/Neoliberalismo).

Faltava apenas relacionar esses factos, aprofundar a compreensão dos mecanismos - políticos, sociais, económicos, propagandisticos - com que funcionam, e apresentá-los numa "linha de tempo", para contar a história dos últimos 40 anos. Que é, portanto, a história do aparecimento, desenvolvimento e consolidação desse "regime universal" (definição do autor) que hoje nos governa. José Goulão faz isso. E, partindo dos factos, chega a conclusões que, para muitos de nós, poderão ser perturbadoras

Mas, também aí não será muito difícil concordarmos com o autor. Se pensarmos nos factos que nos são apresentados, se soubermos reflectir sobre eles - se soubermos pensar com o tal tipo de pensamento que utiliza o senso comum - descobrimos que a coisa pode muito bem ser assim como é descrita no livro, e não como somos levados a crer pela informação (ou melhor: pela falta de informação sobre o assunto) com que somos constantemente bombardeados.

Pensei fazer uma recensão crítica do livro. Mas não tenho jeito nenhum para essas coisas. Deixo-vos algo melhor: a transcrição de parte de uma entrevista dada por José Goulão a outro jornalista (José Manuel Rosendo), na Antena 1, em 2010. (O áudio integral da entrevista encontra-se no site desse canal, ao qual podem aceder clicando aqui.)


JMR - Depois de 40 anos de jornalismo, um livro que não podia ser mais pertinente: Pagadores de Crises. Sendo que logo na capa se anuncia que "a crise é o sistema político em que o voto de todos garante o bem estar de apenas alguns. José Goulão, este dito aplica-se a Portugal?

JG - Claro. Aplica-se no fundo ao mundo inteiro e - por questões absolutamente normais, de convivência universal - aplica-se a Portugal.


JMR - Um livro sobre a crise em plena crise...


JG - É um livro sobre a crise em plena crise, embora deva confessar que a génese (do livro) não é esta actual crise, é a crise de 2007. A ideia nasce aí. A realidade veio confirmar a inves
tigação. Ou seja, que o neoliberalismo instituiu a crise como um regime político. Porque foi criando maneira de combater as defesas das pessoas, as defesas dos sistemas sociais, e neste momento afirma-se plenamente como aquilo que é: governar em nome do lucro e no essencial contra as pessoas. O livro explica esta história desde que podemos ir buscá-la. Pode ser chocante para as pessoas que estas coisas sejam afirmadas com esta crueza, mas na verdade podemos ir buscar a génese do regime universal que hoje nos governa à experiência que foi feita no Chile de Pinochet. Porque aquilo que na altura os mentores económicos do Chile de Pinochet fizeram não é mais do que aquilo que nos está a acontecer e que nos vemn acontecendo nos últimos anos. E basta ver as questões das privatizações, do ataque às pensões sociais, aos salários, aos sindicatos, aos direitos fundamentais das pessoas, designadamente o direito à greve... Tudo isto com que vivemos hoje em dia, se formos investigar a história dos últimos 40 anos, vamos encontrá-las exactamente no Chile de Pinochet, no Reino Unido da sra. Tatcher...

JMR - E tudo isso feito por governos que têm a legitimidade do voto. Esta ideia de que o voto de todos garante o bem estar de apenas alguns significa que a democracia está moribunda?

JG - Significa que a democracia ficou emparedada naquilo a que podemos considerar a convergência num grande bloco a que se chama os partidos estruturantes ou os partidos com vocação governamental - como se todo o mundo e todas as pessoas dependessem das discussões que se passam por exemplo entre o engenheiro Sócrates e o dr. Passos Coelho
(obs: a entrevista é de 2010). Ora, a democracia é muito mais do que isso, é muito mais do que essas duas pessoas ou de quem as representa em conjunturais negociações. E democracia somos nós todos, o Estado somos nós todos. Mas aquilo que se verifica é o esvaziamento completo do Estado como aparelho dos cidadãos. E o Estado está um resíduo desprestigiado, ao serviço de interesses que não são propriamente os dos cidadãos, mas de alguns cidadãos que parecem ser mais cidadãos que os outros. E esta é a realidade desta crise que todos nós pagamos - por isso "Pagadores de Crises" - para apenas alguns viverem, e viverem bem. Onde é que está nisto a democracia? Está em que todos votamos, e votamos livremente, e falamos livremente. Agora, podemos não ser ouvidos? Podemos. E é o que está a acontecer: não somos ouvidos. E o nosso voto depois de colocado na urna segue um destino que nenhum de nós controla porque encaminhado para dois partdos que depois entre si mesmos têm birras mas não têm visões diferentes da governação. E a democracia encaminha-se depois para as decisões desses senhores. Isto é uma democracia emparedada e há que libertá-la. É um simulacro de que alguns se aproveitam usando o voto de todos nós.

JMR - Isto é um livro carregado de ironia. Aliás, ao longo do livro chama a atenção para isso mesmo. Não corre o risco de provocar más interpretações? Ou pelo menos não conseguir que a interpretação dada seja aquela que é pretendida?


JG - A ironia é uma forma de comunicação para pôr de certa forma a realidade a nu, e por vezes a ridículo. Embora este ridículo seja ridículo com coisas muito sérias, que são a nossa vida, a sobrevivência de milhões de pessoas que vivem num mundo completamente desregulado e cheio de desequilíbrios. Desequilíbrios esses que se aprofundam. Eu creio que a ironia é uma forma de chamar muito a atenção para a crueza desta realidade.É um livro polémico, claro. É um livro que vai gerar opiniões muito divergentes. As pessoas podem não estar de acordo, ótimo. Aliás, a democracia é exatamente isso. Mas é um livro que através da ironia, através de factos, e os factos estão lá, e são factos que qualquer um de nós tem a noção de que são assim mesmo, e as pessoas tirarão as suas ilações e sobretudo se as compararem com a vida que vivemos hoje e com aquilo que se passa à nossa volta.


JMR - A crítica ao capitalismo selvagem é muito forte. Como é que os pagadores de crises podem deixar esse estatuto nada invejável?


JG - Fazendo funcionar a democracia. É essa a questão, é desbloquear a democracia. Assumirem-se cada vez mais como cidadãos e conseguirmos todos arranjar maneira de sermos ouvidos. Deixarmos de estar a votar para surdos e para pessoas que já, independentemente daquilo prometem, depois fazem aquilo que lhes apetece. A democracia tem espaços, tem virtualidades. As liberdades têm este espaço amplo de podermos discutir. É questão de que estas realidades sejam denunciadas de uma maneira cada vez mais evidente, furando também o bloqueio de comunicação. Porque como sabemos todo este regime, digamos, universal beneficia de um sistema brutal de propaganda, que é montado através dos grandes meios de comunicação social, subservientes, no fundo, ao próprio regime.


JMR - É possível fazer uma reforma deste capitalismo ou este é um poder que não admite reformas?


JG - Este poder não admite reformas. Podendo a crise se considerada como um estado supremo do neoliberalismo... Estes regimes vão apodrecendo, como todos os regimes autoritários - e este é de facto um regime autoritário, na sua essência, não por vezes naquilo que nós identificamos como um regime autoritário à Pinochet, ou ditatorial, mas é autoritário porque não permite espaços de contestação efectivamente eficazes. É contestação pela contestação. Este neoliberalismo não se suicida, como eu digo no último capítulo, é preciso digamos que, e também aqui recorrendo à ironia, suicidá-lo. É preciso transformar toda esta sociedade e para isso é fazer funcionar a democracia. E assumirmo-nos todos como cidadãos e de alguma maneira trabalharmos todos para que o Estado seja colocado ao serviço dos cidadãos e deixe de ser esta coisa híbrida, este molusco que as pessoas acabam por desprezar. Porque quem está à cabeça do Estado no fundo não gosta do Estado, acha que o estado está a mais, que o Estado é um mal necessário, e usa o Estado para servir não os cidadãos, mas alguns cidadãos, como já disse. Este sistema está muito bem instalado, consegue sobreviver, e sobrevive cada vez mais, à custa de nos ir espremendo a nós, pagadores de crises, cada vez mais. E democraticamente temos que reflectir, discutir, e fazer funcionar a democracia e fazer com que, de alguma maneira, sejamos ouvidos, se não por aqueles que continuarem surdos, por outros que saibam, ouvir, escutar, e que saibam no fundo governar. Governar em nome das pessoas e para as pessoas e através de mecanismos que sejam respeitadores das pessoas, que é isso que não temos hoje.


Nota de rodapé - José Goulão "é um jornalista português. Iniciou a actividade em A Capital, em 1974, e trabalhou em O Diário, no Semanário Económico e na revista Vida Mundial, de cuja última série foi director.
Foi também director de comunicação do Sporting Clube de Portugal.
Fez carreira na àrea de Política internacional , especialmente nas questões do Médio Oriente , sendo os seus comentários nesta matéria frequentemente requisitados por diversos órgãos de comunicação social , como a TSF e o Canal 2: da RTP" (segundo a Wikipédia).

Numa entrevista ao jornal de A Voz do Operário, prefere no entendo apresentar-se como "um jornalista, que foi um dia para Beirute, para a guerra de 1982 e ficou completamente fascinado pela problemática do Médio Oriente.
Um jornalista que quanto mais aprofunda o conhecimento sobre essa área menos sabe sobre ela, porque a riqueza cultural, civilizacional e o que está em causa naquela região é de tal modo arrebatadora que ultrapassa o fascínio... e é tão complexa, que é inimiga de quem se acha senhor da verdade.
Portanto, em relação àquela região, eu jornalista, não tenho nem a verdade, nem o conhecimento, nem o preconceito.
Sei que conheço o que lá se passa, mas não tenho a veleidade de conhecer o Médio Oriente.”

Nota de rodapé à nota de rodapé - José Goulão foi, igualmente, professor em cursos de Jornalismo realizados no Centro Cultural de Almada, na segunda metade da década de 1980. Foi nessa associação almadense que tive a oportunidade de o conhecer. E, se mais tarde enveredei também pela "carreira" (não simpatizo muito com essa palavra...) de jornalista, foi muito por influência do seu exemplo profissional. Não só mas também, como se costuma dizer...

domingo, setembro 11, 2011

11 de setembro: dia em que o mundo mudou


11 de Setembro é, sem dúvida, a data mais relevante na História do mundo contemporâneo. 11 de Setembro assinala o início da era neoliberal: o dia em que o poder foi retirado à força a um governo democraticamente eleito para, em seu lugar, colocar um grupo de "rapazes de Chicago", economistas, discípulos da doutrina neoliberal de Milton Friedman, apoiados por um general (Pinochet) e por uma junta militar sem escrúpulos, que lhes fizeram todas as vontades.

Falo-vos, como já entenderam, do 11 de setembro de 1973 - data do golpe militar que derrubou o governo de Unidade Popular de Salvador Allende. E não é por preconceito ideológico que me refiro a esta data como o dia em que o mundo mudou. É, antes, por rigor histórico.

O golpe de 11 de Setembro e a chegada ao poder dos neoliberais, pela mão de Pinochet (e do governo dos EUA) é, pode dizer-se, o acto inaugural do modelo em que praticamente todo o mundo vive hoje. O Chile foi o grande laboratório para a doutrina neoliberal. Pela primeira vez na História, a teoria da "Escola de Chicago" foi aplicada à escala de um país inteiro.

"O Chile, quando sofreu o golpe militar liderado por Pinochet, responsável pelo bombardeio do palácio do Governo que assassinou o presidente democraticamente eleito Salvador Allende em 11 de setembro de 1973, adotou imediatamente um plano de ação chamado de O Ladrilho, que fora preparado pelos golpistas da direita, com o auxílio de um grupo de economistas, chamados pela imprensa internacional da época os Chicago Boys, provenientes da Universidade de Chicago. Este documento continha os fundamentos do que, depois, viria a ser chamado de neoliberalismo" (Wikipédia)

Trocando em miudos: havia um grupo de economistas que defendia a "libertação" das "forças de mercado", a desregulamentação, a desvalorização do papel regulador do estado, a auto-regulação dos "mercados" - "a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo esta ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim num grau mínimo" (Wikipédia).

Por coincidência, muitos desses economistas eram chilenos e fizeram a sua pós-graduação na Universidade de Chicago, com Milton Friedman, principal teórico da "Escola de Chicago". Daí a designação "Chicago Boys". "Chicago Boys (em português: Garotos de Chicago) foi o nome dado a um grupo de aproximadamente 25 jovens economistas chilenos que formularam a política econômica da ditadura do general Augusto Pinochet." (Wikipédia)

No Chile existia então um governo de orientação socialista, eleito democraticamente. Governo exercido por uma coligação de partidos (UP - Unidade Popular, que englobava os partidos Socialista, Comunista, Radical, Social Democrata e Movimento de Ação Popular Unitária), e encabeçado pelo presidente Salvador Allende (o Chile era, e ainda é, um país de regime presidencial).

Mas os EUA consideravam tal governo uma ameaça aos seus interesses. O presidente norte-americano, Richard Nixon, e o seu secretário de Estado, Henry Kissinger, diversas vezes manifestaram em público a sua hostilidade ao governo do Chile. De resto, o envolvimento dos EUA na desestabilização da sociedade chilena durante o governo de Allende - por exemplo, incentivando o aparecimento de grupos de extrema direita ou de órgãos de comunicação social - e na preparação do golpe militar são hoje factos incontestados e bem documentados. (Para mais informação, sugiro a leitura deste artigo: Golpe de Estado en Chile 11 de septiembre de 1973)

Grupos violentos hostis ao governo (grupos de extrema direita, mas também de extrema esquerda, como o MIR), imprensa manipulada pelos interesses norte-americanos e umas forças armadas que nunca chegaram a estar verdadeiramente ao lado do poder eleito: tudo isso contribuiu para enfraquecer a Unidade popular e abrir caminho ao golpe militar de 11 de Setembro de 1973.

Mas a intenção dos militares golpistas era, à partida, apenas tomar o poder para liquidar Allende e a UP. Não tinham um programa político. E é aí que entram os "rapazes de Chicago". A Junta de militares entrega-lhes ministérios como os da Economia, Finanças, Trabalho e Aposentadorias e outros cargos importantes no aparelho de Estado, como a direcção do Banco Central ou a superintendência do Sistema de Segurança Privado. E, nas mãos desses "rapazes", rapidamente a economia é desregulada, as empresas estatais vendidas ao preço da chuva (e, por coincidência, compradas por esses mesmos "rapazes", ou pelos seus encarregados de negócios - não sei isto vos faz lembrar realidades mais próximas de nós...), os sindicatos livres são aniquilados, a oposição silenciada.

Assim, "quando se deu o 25 de Abril em Portugal, os rapazes de Chicago treinados por Milton Friedman começavam a usar o Chile como território para a aplicação das normas da liberalização total do mercado" (...) "O neoliberalismo, que ainda hoje se apresenta como ventre puro da democracia e farol da «revolução democrática mundial», deu os primeiros passos como regime político a partir de um golpe militar sangrento e durante dezasseis anos governou à vontade através da desregulação da economia, sem oposição política e sem sindicatos dirigidos por representantes dos trabalhadores", escreve o jornalista José Goulão em "Pagadores de Crises" (livro que, diga-se de passagem, é a principal fonte para este artigo).

Depois, com a chegada de Margaret Tatcher ao poder, tiveram um novo território de experiência, no Reino Unido. Aí, precisariam de se adaptar a uma democracia... E "adaptaram-se", transformando-a num regime mais autoritário (não é por acaso - ou por ser fã de heavy metal... - que Tatcher recebeu a alcunha de "dama de ferro"), "quebrando a espinha aos sindicatos", reforçando o estado policial, etc.

A coisa melhorou bastante (para os neoliberais, claro) com a entrada em cena de um actor de coboiadas chamado Ronald Reagan. Este, uma vez eleito presidente dos EUA, escancarou as portas do que era então o maior mercado do mundo aos neoliberais da cidade dos "gangsters" dos filmes de Hollywood. E, tal como Tatcher, não teve problema nenhum em usar métodos deveras "democráticos" como o despedimento colectivo de 12.172 controladores aéreos em greve, assim mesmo de uma assentada, para mostrar quem manda e como passariam a ser as regras de aí em diante. (Vou repetir, por extenso, para não pensarem que me enganei: doze mil, cento e setenta e dois controladores aéreos, num despedimento colectivo. Vejam a notícia de 8 de agosto de 1981, no site do El Pais).

A cereja em cima do bolo foi o desmantelamento da União Soviética e dos países socialistas do Leste da Europa. Aí os neoliberais encontraram paraísos quase tão bons (ou melhores?) que o Chile de Pinochet: Estados em dissolução, empresas públicas a saque, consumidores ávidos de "mercado livre". E foi o que se viu. Com Bush pai, com Clinton (embora menos...) com Bush filho (sobre esse não me quero alongar, porque não saíamos daqui - mas são bem conhecidas as suas relações com os lóbis do petróleo e com a família dos Laden, por exemplo). E andamos nisto...

Sabemos hoje como o modelo neoliberal está consolidado (apesar das "crises", muitas das quais não passam de dramatização para atingir novos objectivos, atacar países e abocanhar novos mercados) e, embora condenado ao fracasso (é a minha convicção) ainda está aí para fazer muito mal ao mundo. Se olharmos para a História recente - como fizemos neste artigo - apercebemo-nos, então, que o modelo foi testado em primeiro lugar no Chile de Pinochet. Entendemos, assim, a importância histórica desse 11 de Setembro de 1973.

Lembrar esta história é, também, homenagear as vítimas do ataque às torres gémeas de Nova Iorque em 11 de Setembro de 2001. Porque foram vítimas não só de um ataque terrorista, mas de uma sucessão de acontecimentos políticos que têm a sua génese nas ideias e nas acções dos "rapazes de Chicago" e do seu líder. Foram vítimas de um sistema desumanizado e cruel, que a todos nos consome.

E a questão não é transformá-lo: é acabar com ele.


Fontes consultadas:

José Goulão, "Pagadores de Crises", Sextante Editora, 2010
Golpe de Estado en Chile 11 de septiembre de 1973 (no blogue Mamífero Político)
El País - arquivo online
Wikipédia - vários artigos
TWO MEMORABLE SEPTEMBER 11ths - em Submerging Markets
(e outros sites)
foto encontrada em
http://fmdelacuadra.blogspot.com/2010/09/11-de-septiembre-un-dia-sin-guerra.html

quinta-feira, setembro 08, 2011

Outro tempo, o mesmo (?) lugar



Foto de cima: Festa do Avante 2001, Palco 25 de Abril, domingo à tarde, durante o concerto de Xutos & Pontapés.
Foto de baixo: Festa do Avante 2011, Palco 25 de Abril, sábado à tarde, durante o concerto de The Poppers.

Já dizia o velho Heraclito: "entramos e não entramos duas vezes nos mesmos rios; somos e não somos". Chamem-lhe obscuro...

quinta-feira, setembro 01, 2011

Festa do Avante!

Com o aproximar do primeiro fim de semana de Setembro, é inevitável falar da Festa do Avante! Mas como já me tenho referido muito ao assunto, desta vez não me alongo (vejam aqui todos os "posts" que publiquei neste blogue relacionados com a festa).
Deixo-vos o "link" para o site oficial da edição deste ano.
É este:

Boa festa! Divirtam-se!

quinta-feira, agosto 25, 2011

Duas perguntas à Ecalma


Farto de esperar pela resolução de um problema a já me tenho referido muitas vezes (ver aqui) decidi apresentar o assunto por escrito à Ecalma - Empresa Municipal de Estacionamento e Circulação de Almada. Eis o conteúdo do email, que enviei hoje e para o qual aguardo resposta:

Exmos Senhores

Moro na Rua Leonel Duarte Ferreira, Almada (Bairro de São Paulo, junto às piscinas da Academia Almadense e a um parque de estacionamento da ECALMA).

Nesta rua encontram-se, todos os dias e a toda a hora, viaturas estacionadas ilegalmente em cima dos passeios.

Tenho, repetidamente, telefonado para a Ecalma a denunciar estes casos e a pedir que essa Empresa Municipal venha remover pelo menos as viaturas que estacionam em frente à minha casa impedindo-me o acesso ao contador da electricidade.

Sempre que telefono para a Ecalma, respondem-me aí que não podem intervir nesta rua devido a "ordens superiores".

Gostaria, pois, que me esclarecessem as seguintes dúvidas.

1 - As "ordens superiores" para não intervirem nesta rua existem, de facto?

2 - Se existem, quem é a entidade e a pessoa responsável por essas ordens, a quem me possa dirigir para reclamar deste incumprimento da Lei?

Sem outro assunto por agora, e aguardando resposta.

domingo, agosto 21, 2011

A roulote da Festa do Avante, as Festas do Barreiro e o Portugal-Brasil sub-20 de 1991


Este artigo arrisca-se a ser apenas um desfiar de memórias sem grande interesse, mas cai vai...

Em 1991 a Festa do Avante realizava-se, pela segunda vez, na margem sul do Tejo, no concelho do Seixal. E havia - tal como no ano anterior - propaganda específica para divulgar o evento nas ruas e espaços públicos do distrito de Setúbal: uma roulote com equipamento de som e um projector de vídeo com respectivo écran. Durante o dia fazia soar a propaganda sonora da Festa (num estilo nada casseteiro - de cassete... - e muito radiofónico, até) e à noite, quando as condições o permitiam, exibia vídeos tão diversificados como o mítico concerto dos U2 nas Red Rocks e a incontornável propaganda oficial da Festa.

E era eu, pois, quem andou durante esse ano por todo o distrito a fazer som e a projectar vídeo (no ano anterior eramos 2 pessoas, mas nesse ano calhou-me actuar a solo). Durante 3 meses praticamente era aquela a minha alegre casinha, tão modesta quanto eu...

No dia em que Portugal venceu o Campeonato do Mundo de Futebol no escalão sub-20 pela segunda vez (tinha vencido também em 1989, em Riad) estava eu a fazer o trabalho no recinto das Festas do Barreiro. Mas tinha vindo na noite anterior a Almada (mudar de roupa, beber uns copos com os amigos e essas coisas) e, então, lá tive que fazer a absurda viagem Bairro Amarelo - Cacilhas - Lisboa - Barreiro, porque não existia ainda um meio de transporte que ligasse as duas cidades geograficamente tão perto - Almada e Barreiro - e no entanto tão distantes.

(Agora também não há - mas existe um projecto, desde 1995: o Metro Sul do Tejo que, supostamente, iria ligar os 4 concelhos do "arco ribeirinho do Tejo", mas que, sei lá eu porquê, ainda só vai de Cacilhas a Corroios.)

Lá fui, então, dar a volta longuíssima, lentíssima e contra-natura. Pelo caminho, muitos brasileiros em grande festa e - facto que muito estranhei, naquela altura - muitos portugueses respondendo-lhes de forma agressiva. Porquê? Somos países irmãos, os portugueses até costumam ser reconhecidos pela sua afabilidade e o seu "fair play" e aquilo era só um jogo de futebol! - espantava-me eu, na minha ingenuidade de quem ainda não tinha entendido a maneira como a ideologia neoliberal estava a começar a fazer os seus estragos... (mas adiante, que isso é matéria para outros artigos).

Chego ao Barreiro por volta da hora de almoço. Almoço e a seguir começo a trabalhar. Durante a tarde havia pouca gente no recinto (o que era natural: o tempo estava quente, mais para praia do que para passeios na "feira"). Ao final da tarde começa a aparecer mais gente, mas também começa a "febre" do Mundial.

Ora, eu também gosto de futebol! Mas não queria deixar o meu posto de trabalho. Que fazer?

Começa o jogo e eu já sei o que fazer: olha, meto as cassetes que já estavam gravadas (sim, apesar de aquilo funcionar como um estúdio de rádio, também tinhamos alguns programas gravados... hããã... pois, como nas estações de rádio a sério) e, dentro da roulote, fico a ouvir o relato num rádio portátil. Muito profissional, né?

Pois. Mas quando, depois do tempo regulamentar e depois do prolongamento, a coisa chegou aos penáltis, aqui o profissional da rádio móvel não resistiu: desligou a aparelhagem, fechou a roulote e foi ao café ali em frente beber uma imperial, ainda a tempo de ver o grande Rui Costa enfiar a bola lá dentro e dar o título à nossa selecção.

O que aprendi com isso? Que quando há bola podes sair do teu local de trabalho à vontade porque ninguém nota: está tudo a ver a bola! E que, apesar de ter nascido no Brasil (e nesse tempo ainda ter só a nacionalidade brasileira), o meu coração é, afinal, muito mais luso (e não só do Barreiro) que brazuca.

E pronto, assim acaba esta estória. Eu avisei que não era nada de especial, não avisei?

Mas, se estiverem mesmo interessados noutras estórias e até em alguma História recente - que tentarei contar de forma mais rigorosa e menos subjectiva, embora tenha estado envolvido em algumas delas - tomem nota do endereço de um novo blogue, pomposamente chamado Arquivo Histórico (Para Memória Futura)

http://arquivovitorino.wordpress.com

No momento em que escrevo e publico este artigo ainda encontram por lá pouca coisa. Mas vão passando por lá. Há muito material nos meus arquivos para partilhar convosco.

(Nota final: a imagem que ilustra este artigo é um desenho feito pelo colega que esteve a trabalhar comigo na roulote da Festa do Avante no ano anterior, 1990 - era a "capa" de uma das cassetes.)

quarta-feira, agosto 17, 2011

Motins em Inglaterra: dividir para reinar?


Stephen Lendman, escritor norte-americano, membro do Center for Research on Globalization, defende que os motins em Iglaterra não foram apenas um protesto espontâneo, mas sim uma acção provocada pelos poderes para tentar dividir os movimentos anti-sistema e, ao mesmo tempo, testar a força do Estado em futuras revoltas - que supõe inevitáveis - contra as políticas de austeridade.

"Penso que Cameron conseguiu exactamente o que queria. O assassinato de um jovem negro acontece com demasiada frequência, na América e noutros países ocidentais e normalmente não origina motins de rua, edifícios em chamas, violência extrema, tiroteios... Mas o assasinato de Mark Duggan provocou isso tudo.

Penso que isto foi um incidente provocado pelo Estado. Não foi apenas a polícia assassinar um jovem negro. Penso que isto foi o "incidente de Cameron". Cameron, tal como Obama, é um instrumento político do que podemos chamar a sequência de poder do dinheiro.

O que está a acontecer é que temos terrível depravação social em curso, numa depressão global. Há sofrimento humano, real. Desemprego, probreza a crescer, fome, pessoas sem abrigo... E tudo isso está a piorar cada vez mais. E (os governos) em vez de lidar com a situação, na Europa e na América aplicam a "receita" da austeridade. Isso é como deitar gasolina numa fogueira para aumentar as chamas. O grande medo, na América, no Reino Unido, e em toda a Europa, é que possa realmente acontecer uma erupção social.

Penso que este incidente teve como objectivo separar negros de brancos, incitar motins raciais, separar grupos que, se estiverem unidos, podem ser uma força poderosa para a justiça social. Além disso, distrair a atenção das pessoas da sua miséria económica, assustá-las. E testar sistemas de comando e de controlo para a luta maior que eles esperam que venha a acontecer mais adiante. Porquê? Porque os programas de austeridade que estão a ser implementados vão tornar as condições do dia a dia ainda piores, e as pessoas vão reagir.

A pergunta-chave é quem ganha e quem perde. O Estado vence, derrubando-nos, sugando o máximo de proveitos para a sequência de poder do dinheiro que dirige estes países. Tirando mais ao cidadão comum, às classes trabalhadoras, aos pobres... fazendo-os sofrer mais, encorajando a ira. Precisam de um plano para os abater.

Este foi um teste. Foi para testar o sistema, num nível baixo. Alguns dias de motins, para ver como precisarão de contra-atacar quando os grandes protestos acontecerem. E vão acontecer, e podem ser horríveis, e eles querem estar preparados. É o que estão a preparar em Inglaterra e no resto da Europa."

domingo, agosto 14, 2011

Olhar para o mundo sem medos e sem preconceitos


Numa entrevista publicada no Ionline, o General Loureiro dos Santos parte dos acontecimentos ocorridos em Inglaterra nos últimos dias para uma análise à situação mundial.

A entrevista é extensa, está publicada integralmente no site - ler aqui - e o que reproduzo são alguns excertos em que o militar analisa os assuntos com mais preocupação de os entender de um ponto de vista social e não apenas geo-político.

Nesses momentos, Loureiro dos Santos consegue ser mais "marxista" que a maior parte dos analistas de esquerda - porque não se limita a tentar entender (ou apenas explicar, como fazem muitos "intelectuais de esquerda") como é que a miséria social (e cultural, digo eu) é o caldo de cultura para estes fenómenos, nem os "justifica" apenas com a ideia preconcebida (e muito confortável, para muitos, mesmo quando mal fundamentada) que isto é o prenúncio da grande revolta dos pobrezinhos que hão-de derrubar o capitalismo e essas coisas.

Pelo contrário: faz uma análise dinâmica, pragmática, e nada idealista nem fatalista ou determinista (no sentido alienante que a expressão pode ter). E chega mesmo a ser didáctico.

Vejam, por exemplo, como usa uma imagem tão simples para explicar a crescente proletarização da sociedade. Ou como a "sociedade da informação" condiciona a maneira como olhamos para o mundo e nos relacionamos com a realidade, deslumbrando-nos com a "novidade" de fenómenos que pouco ou nada têm de novo, ou como a virtualização da economia leva a fenómenos absurdos (mas com influência real) de que o "poder" artificial das agências de "rating" é exemplo acabado.


(O que está a acontecer em Inglaterra) É apenas vandalismo gratuito?
As razões profundas estão ligadas à construção das sociedades, começam nos guetos das cinturas explosivas das grandes cidades e há uma série de razões que originam situações assim. Não é a primeira vez que isto acontece em Inglaterra. Vemos as imagens de 1980 e são as mesmas. A segunda fase é que acho que mostra impunidade. Aquilo prosseguiu daquela forma porque a resposta não foi suficiente. (...)

Fala nas condições que propiciam situações destas. Quais são elas?
Discriminação social e o sentimento de que não são tratados como os outros. E depois a diferença entre os que têm muito e os que têm muito pouco...


E esse fosso está a aumentar...

Exacto. E o problema novo que altera tudo é que as sociedades foram sempre constituídas por dois mundos diferentes, mas não havia o que há hoje, que é a informação permanente. Ela transformou as coisas. Tudo aquilo que sempre existiu passível de originar actos de revolta agora está perante os nossos olhos, portanto os pobres, os que vivem mal, os que se sentem injustiçados ou discriminados, os que não sabem bem onde pertencem, comparam-se com os outros. E esse conhecimento permanente gera indignação.
(...)

Podemos extrapolar esta situação e dizer, como alguns, que é um prenúncio do que vai acontecer em todo o lado?

Acho que tem de haver respostas rápidas a isto, porque esta crise trouxe uma situação nova. É que no passado, quando se falava de desemprego e utilizando linguagem militar, quem ia para o desemprego eram os soldados, os operários. Agora não, agora vão os soldados, os sargentos, os capitães, os majores, vão todos para o desemprego e há gente da classe média, até da média alta, desempregada e desesperada. Isto pode conduzir a revoltas organizadas e, em desespero, podem fazer-se muitas coisas. E esta situação deve merecer muita atenção dos responsáveis políticos, principalmente em termos preventivos. É preciso encontrar políticas que evitem estas situações.


Que tipo de políticas?
Não sei. Até agora eram apoios sociais, para amenizar as dificuldades, mas por causa da crise o que está a acontecer é que os apoios sociais estão a desaparecer. E isto está tudo inserido numa grande transformação estratégica.
(...)

Acha que o sonho europeu falhou?

Houve uma série de pessoas com esse sonho, que viam uma Europa tipo Estados Unidos. Mas desde o início foi claro que nem a Alemanha, nem a França nem o Reino Unido estavam interessados nisso, porque não queriam que houvesse uma câmara alta em que o Luxemburgo pudesse pesar tanto como a Alemanha. Como é que a Alemanha podia admitir isso? Na UE nunca houve solidariedade. Eu escrevo isso desde o ano 2000. Que não pensemos que outros vão vir em nosso socorro. Como esta subida do preço dos alimentos: alguém pensa que, se nós estivermos aflitos sem dinheiro para comer, a Alemanha ou a França nos vêm dar alimentos e ficam eles com fome? Que ninguém pense nisso! Em Portugal houve líderes que se convenceram de que agora éramos todos iguais, podíamos ser todos ricos e andámos a gastar o que não tínhamos! Isto explica a nossa actual situação e não fomos só nós que o fizemos, foi a maior parte dos países. Não há solidariedade internacional e a prova é o que está a acontecer na UE.
(...)

Falando em rating, o que pensa dessas agências? Ultimamente tem-se questionado muito a sua existência e poder.

O poder é-lhes dado pela forma como os estados reagem aos seus anúncios. Não são elas que detêm poder, quem lhes dá o poder são os estados. Quando os EUA ficam completamente à nora com a baixa do rating estão a dar-lhes muito poder. O capitalismo já não é aquele que os teóricos do século xx referiam. Agora quem controla são organizações acéfalas, que não se sabe bem o que são, nem quem manda lá... Mas são eles que manobram a economia mundial. E mais, hoje o dinheiro é virtual, são bits, aquelas coisas do computador, que não é nada [risos]. Se não houver mudanças nos estados democráticos, se não arranjarem forma de sair desta tendência quase inevitável, vamos caminhar para capitalismos do género russo ou chinês, autoritários, sem liberdades, sem democracia, e isso é um perigo. Os países democráticos têm de evitar que o actual capitalismo sem rosto se transforme em sistemas ditatoriais.


O que é que pode ser feito?

Têm de ser os jovens. O problema principal deles, hoje em dia, não se punha no meu tempo. Antigamente ter segurança no trabalho era um dado adquirido, não se pensava na fonte de rendimento. Agora isto cria desespero nos jovens. Mas há uma coisa que me espanta nos jovens hoje. No passado, com a revolta dos jovens de Maio de 68, havia propostas, coisas novas. Agora não, aquilo que os indignados dizem é que isto está mal e depois apresentam questões pontuais que passam por "dêem-me emprego". A ideia que dá é que eles concordam com este modelo, desde que lhes dêem um emprego. Isso é errado, porque o modelo é que está mal, foi o modelo que levou a esta situação! Têm de aparecer propostas e os jovens são os únicos com condições para as apresentar.


Uma ideia é pedir uma auditoria dos cidadãos à dívida pública.

Isso nem sequer é uma ideia original, mas parece-me razoável. As ameaças à segurança nacional neste momento não são susceptíveis de resposta militar, têm de ter respostas políticas, económicas, sociais, e espero que não venham a precisar de resposta militar. Há muita gente que vaticina isso, que diz que o que está a acontecer é o que se passou a seguir à grande crise dos anos 30, que começou por aqui: dívidas, nacionalismos, fascismos, guerra. Espero que não chegue aí, sinceramente, até porque as sociedades estão de tal forma vulneráveis e frágeis, por serem tão complexas, que não vão resistir a um abalo. Julgo que vamos passar por um período muito complicado, que não deverá ser muito prolongado - porque isto hoje está muito acelerado - e vão surgir soluções. O mundo nunca deixou de encontrar uma solução. Não pensemos que vamos desaparecer, até porque essas ideias são vendidas pelos mais velhos [risos].


Nota (propositadamente) final - a imagem que ilustra este artigo é um pormenor de uma foto-reportagem sobre motins de jovens em França, em 1983. Publicada no livro "L'Année de La Photo - Le grand show de l'actualité", edição Love Me tender - Sipa Press, 1983.

sexta-feira, agosto 12, 2011

Fim do mundo? Não: apenas uma remodelação.



Lembrei-me disto quando vi os motins e o vandalismo recente em cidades de Inglaterra.

Em 2007 (a foto é desse ano), estava aqui a nossa cidade de Almada esburacada por causa das obras do metro de superfície. Era um caos. Alguns cidadãos com deficiência mental (e certas igrejas...) andavam desorientados pela rua, a bradar como se estivessem a assistir ao fim do mundo... Grande confusão, campainhas de alarme a soar nos espíritos mais confusos e o oportunismo "religioso" de sempre.

E afinal era apenas uma remodelação da cidade.

Não era possível instalar a nova estrutura viária sem fazer os tais buracos e causar os tais incómdos, que a tantos pareciam sinais do fim do mundo... Tal como não é possível fazer uma omoleta sem antes partir os ovos!

Mas o que tem isso a ver com o que está a acontecer em Inglaterra?

Ora, ainda bem que me faz essa pergunta!




Em momentos de crise, o capitalismo arranjou sempre maneira de se salvar e de se reforçar. Os motins são um excelente instrumento para assustar as pessoas, fazê-las apoiar os seus governos e exigir mais "autoridade" (leia-se: Estado policial). E se for preciso vamos para a guerra. O capitalismo nunca temeu as guerras. As guerras são até muito boas para os grandes negociantes.

Já aconteceu antes e está a acontecer novamente - é só mudar os personagens porque o guião é decalcado dos anteriores...

Sim, é claro que havia condições sociologicas para que revoltas deste tipo estalassem, e essas coisas. Toda a gente sabe isso. Os membros do famigerado grupo Bilderberg, então, sabiam-no muito bem. Tanto que até, ao que parece, discutiram a melhor maneira de usar esse descontentamento a seu favor.

Informações sobre a última reunião grupo Bilderberg neste artigo (em inglês):


Começa a fazer sentido, ou não?

(Nota de rodapé, para os que têm dificuldade em lidar com figuras de estilo: não, não estou a comparar os planos capitalistas com os projectos de requalificação da cidade de Almada. Estou a dizer que as pessoas que pensam que os motins em Inglaterra são a revolução ou o fim do capitalismo já para amanhã estão tão enganadas como os que pensavam que as obras do metro de superfície eram o fim do mundo)

quarta-feira, agosto 10, 2011

Mais fotos da "zona pedonal" de Almada





Sem nada a acrescentar ao que já foi dito no artigo anterior (aqui)

terça-feira, julho 26, 2011

Zona quê?


Pedonal:
adj. 2 g.
1. Relativo a pedestre.
2. Que só pode ser percorrido a pé. = PEDESTRE

(Dos dicionários)

Mas em Almada deve ter outro sentido qualquer... Porque é isto, todos os dias e a toda a hora.
O mais engraçado é que os comerciantes (e o PSD local) queixam-se de que "Almada morreu" e que não fazem negócio porque os clientes não podem levar o carro para a "zona pedonal" - se o fizerem, a Ecalma cai-lhes logo em cima. Pois, devem ter razão...


Devo ser eu que estou enganado. Com certeza vivo noutro planeta ou a minha máquina fotográfica tem alucinações e regista coisas que não estão lá.

A "zona pedonal" de Almada está deserta, dizem eles. Quem sou eu (ou a realidade) para os contrariar?